sexta-feira, 25 de setembro de 2015

DE MANÉ À MANÉZINHO
Ilha de Santa Catarina e lado do continente
Santa Catarina – Brasil

Vamos saber um pouco do ser mané

Em tempos não muito distantes, gente da cidade, apelidavam alguns  moradores do interior da Ilha de Santa Catarina de mané. A cidade à que me refiro é Florianópolis, assim também, chamada por todos que moravam no lado continental.
Suposições apontam aos nomes Manuel ou Manoel, muitos comuns em todas as regiões litorâneas, especialmente nos povoamentos do interior da Ilha de Santa Catarina.
Seu Manoel, seu Manuel,, seu maneca, seu manel, seu mané, pode ter sido o caseiro de um sítio ou de casa de veraneio de propriedade de alguém da cidade. Seu mané, sempre tratava essa gente da cidade de doutori, ou seja, pela formação profissional ou poder aquisitivo.
O mané  pode ser caracterizado como um sujeito simplório, contador de causos, um matuto de trabalhos pesados, da lida com os bois e da roça. Uns dos trabalhos de engenho, outros da pescaria e outros de qualquer serviço braçal.
Mas, os autênticos manés, eram os malandros exibidos de vida boa, que usavam uma perna da calça arregaçada até a metade da perna, um pouco abaixo do joelho e que por distração, se exibiam com uma gaiola na palma da mão, dentro um curió, um sabiá, uma tia chica ou um coleirinha a dobrar.
Aquele ou aquela, que come um loc loc com peixe frito frio, ou ainda, aqueles que comen pirão de água escaldado com carne seca de varal, assada numa grelha na brasa de fogão de lenha.
Por várias gerações, abandonados a própria sorte pela gente da cidade e longe da escola, criaram seus meios de subsistência e modos de falar próprios e engraçados, que os identificam como o mané ou a mané interiorana da Ilha, assim como também, nos povoamentos do litoral do lado continental.
Frases e palavras como, mofas com a pomba na balaia, farinha pouca, meu pirão primeiro, coberta d’alma, chichilaria, roubar e fugir com a rapariga para mais tarde casar, e mais...oioió ..oioió.oioió...oioió.oioió.oioió, tas tolo tas, rebojo, és bom pro fogo, intizica, te toco a mão nos cornos, cambulhão, boi ralado, eu atiço a bocica em cima de ti, istepô, digerinha, lanço de peixe, tarrafa a vau, garapivu, mata fome, és bom pumbife, cara de areia mijada, dar de mamar à enxada, se qués qués, se não qués diz, pomboca, tolo e muitas outras.

Glossário

Atiçar - incitar
Bocica – cachorra, cadela
Boi ralado – carne moída
Cambulhão – porção de peixes enfiados pela guelra em cipó à serem vendidos.
Cara de areia mijada –  furos no rosto de quem teve varíola
Chichilaria – burocracia, lenga lenga, enrolação  com os papéis
Coberta d’alma – roups de quem morre
Dar de mamar à enxada – preguiçoso na lavoura com  o cabo da enxada debaixo do braçoDês bom pumbife – Digerinha – diarréia
És bom pro fogo - expressão usada para dizer que uma pessoa não presta (também ameaça debochada, de mandar alguém à fogueira.
És bom pumbife – referindo-se a carne do boi da farra
És um porta milá –perdido, andar sem rumo ou importa-me lá contigo
Intizica – provoca
Istepô – expressão de xingar alguém, seu coisa ruim
Lanço de peixe – cercar o cardume com rede, arrastar, puchar para a praia ou embarcação pesqueira. Locais de peixes de tarrafa a vau.
Loc loc – pirão de café, mexido na própria caneca de tomar café.
Mandrião – preguiçoso
Mata fome – prato de barro de se comer
Mofas com a pomba na balaia – vais cansar de esperar, não conseguir o que queria, intento
Oioió – interpétra-se como interjeição de espanto ou admiração
Pomboca – lamparina pequena com pavio , acesa com querozene,  luz de pomboca
Rebojo – vento que sopra de várias direções, ocorre quase sempre com vento sul
Te toco a mão nos cornos –dar uma bofetada na cara de alguem que um
Vau – trechos rasos de águas, ou da beira do mar ou de rio, onde se pode transitar a pé.
Tolo – credibilidade frágil, sofrível. Não refere-se a debilidade mental.

Vamos saber um pouco do ser manézinho

Na verdade, não se atribui  à alguém, como o criador do pseudônimo manezinho.
Em inícios dos anos 80 do século passado, nas áreas centrais de Florianópolis como do lado continental, ouve-se em rodas de amigos, locais de trabalho, bares, botequins e principalmente no Mercado Público, colegas e amigos serem chamados de manezinho. Geralmente ou quase sempre, esse colega ou amigo assim chamado, morava em alguma comunidade do interior da ilha de Santa Catarina.
A partir de então, o pseudônimo, que pode ter derivado do seu Manoel, seu Manuel, seu maneca, seu manel, seu mané, começa a difundir-se na boca do povo com o apelido de manezinho.
Até a primeira metade da década dos anos 80, ser chamado de manezinho, tinha sentido pejorativo. No entanto, por muitos havia aceitação, dentro de um clima amigável e na base da gozação.
Nessa época, já era destaque em programas de radio como radialista, o saudoso Aldírio Simões.
Aldírio constituía-se num personagem carismático, identificado com nossa cultura  de base açoriana. Seu ponto de encontro diário, era o Mercado Público de Florianópolis, além de viver os cantos e recantos da Ilha e do continente, conhecer sua gente, seus usos e costumes.
Nascido na localidade de Rio do Braz em Canasvieiras, Aldírio, destacou-se como radialista, repórter, jornalista, escritor e apresentador de TV. Na TV, criou e apresentou o famoso programa BAR FALA MANÉ.
Em meados da década dos anos 80 como radialista, idealiza uma forma de homenagear, enaltecer o mané manezinho, que tomou proporções de linguajar popular entre nós.
Todos aqueles ou aquelas, que se identificam com a maneira simples de viver os nossos usos, costumes, ajuda mútua e solidariedade dos nativos interioranos da Ilha e do continente, ou ainda, todos aqueles ou aquelas, que para cá vieram e se adaptaram a viver essa identidade de simpatia, esse estado de ser e que, destacam-se perante a comunidade.
Em 1987, elenca os nomes dos manezinhos a serem homenageados e organiza a primeira edição do Troféu Manezinho da Ilha.
Tinha no amigo manezinho e saudoso Francisco Amante, o popular Chico Amante, os préstimos e suporte da organização burocrática dos eventos. Aliás em matéria de organização, Aldírio era muito bom, mas na improvização.
Testemunhos relatam que nas primeiras edições do Troféu, alguns manés elencados por Aldírio, se mostravam reticentes com a homenagem, dado ao sentido pejorativo de outrora do pseudônimo manezinho.
O prestígio de Aldírio nos meios de comunicação, enaltecem a honraria do Troféu, mudam o conceito e o entendimento de ser manezinho.
Nos anos subseqüentes aos dias de hoje  é um prestígio ser escolhido para receber a honraria do Troféu  Manezinho da Ilha.
Num bom sentido, diz o manezinho, Engenheiro Paulo Ricardo Caminha; o Aldírio atirou no que viu e matou o que não viu, referindo-se ao auge de sua projeção com o Troféu Manezinho da Ilha.
Embora sendo o autor intelectual do Troféu e dos agraciados anualmente,  o nosso Mané Mor, cercava-se de uma Confraria que oferecia palpites para os novos a serem escolhidos. Entre outros dessa Confraria, fazia parte o saudoso Chico Amante, o ex-Secretário de Segurança Maurício Amorim o Engenheiro Paulo Ricardo Caminha, o Poeta Luiz Gonzaga Galvão e o bancário Ire Silva.
Após a morte de Aldírio em 2006, incorporou-se a Confraria,  seu filho Sione Márcio Simões, que organizam a tradição anual do Troféu Manezinho da Ilha.

Guga, o manézinho

A internacionalização do ser manezinho, foi conhecida e difundida, diante da mídea mundial pelo maior tenista brasileiro de todos os tempos.
Gustavo Kürten, o nosso Guga, que no topo do ranking da ATP, chamou para si o título de Manezinho da Ilha. O mundo ficou conhecendo um manezinho impar, que levou sua simplicidade com competência de grande campeão às quadras de tênis do mundo.

Contos que conto
Quem conta um conto, aumenta um ponto  .  º
              -dito popular-                                         
Texto: Gilberto J. Machado

                   Historiador